Um navio cargueiro com mais de 3 mil veículos a bordo está em chamas há três dias no Oceano Pacífico, nas proximidades do Alasca. O fogo começou na última terça-feira (3), e apesar de todos os tripulantes terem sido resgatados com segurança, o incêndio ainda não foi totalmente controlado, segundo informações da Guarda Costeira dos EUA.
O foco inicial das chamas foi em um compartimento que armazenava carros híbridos e elétricos. Embora não haja confirmação de que o incêndio tenha começado em um desses veículos, o fato de transportarem baterias de alta tensão ajuda a explicar a dificuldade em conter o fogo.
A embarcação, chamada Morning Midas, pertence à empresa britânica Zodiac Maritime e seguia da China para o México transportando 3.048 carros, sendo 681 híbridos e 70 elétricos. Apesar do esforço dos 22 tripulantes para combater as chamas, foi preciso evacuar o navio após tentativas sem sucesso.
Por que é tão difícil controlar um incêndio com carros elétricos?
Mesmo que carros elétricos tenham, em média, menor probabilidade de incêndio em comparação com os modelos a combustão, o problema está na forma como o fogo se comporta nesses veículos quando ele acontece. Segundo Fabio Delatore, especialista em engenharia automotiva e coordenador do curso de pós-graduação em veículos híbridos e elétricos do Instituto Mauá de Tecnologia, a complexidade está nos próprios componentes internos da bateria.
Delatore explica que um incêndio pode se desenvolver quando ocorre o que se chama de “fuga térmica” — um processo no qual o calor gerado dentro da bateria não é dissipado corretamente, levando a um aumento descontrolado da temperatura.
Fatores como falhas na produção, defeitos no sistema de isolamento ou problemas no gerenciamento térmico da bateria podem contribuir para esse cenário. O sistema de controle da bateria, chamado BMS (Battery Management System), é projetado justamente para evitar esse tipo de situação, monitorando temperatura, carga e funcionamento geral. No entanto, qualquer falha nesse monitoramento pode resultar em superaquecimento e, consequentemente, em combustão.
Outro agravante é que, mesmo quando as chamas aparentam estar extintas, o fogo pode continuar ativo dentro da bateria por dias. Por isso, é comum que veículos elétricos incendiados sejam isolados em “quarentena” por semanas, já que ainda existe o risco de reignição.
Transporte exige cuidados específicos
Carros elétricos não podem ser transportados da mesma forma que veículos convencionais. Há protocolos rigorosos definidos em relatórios técnicos, como o Material Safety Data Sheet (MSDS), que recomendam manter o nível de carga das baterias o mais baixo possível antes do embarque.
“Quanto menor a carga da bateria, menor o potencial de geração de calor, chamas e fumaça em caso de falha”, explica Delatore, que também tem experiência em exportações de veículos. Segundo ele, reduzir a energia acumulada nas baterias é uma maneira eficaz de diminuir drasticamente o risco de grandes incêndios durante o transporte.
Ainda assim, como qualquer tecnologia, os carros eletrificados não estão isentos de acidentes. A diferença está nos componentes internos: enquanto o motor a combustão depende de combustível e ignição, as baterias utilizam lítio e eletrólitos altamente reativos. O simples contato entre polos positivos e negativos pode gerar calor suficiente para iniciar um incêndio.
Como apagar o fogo de um carro elétrico?
Apagar um incêndio com carros elétricos exige técnicas específicas. Extintores comuns, como os de CO₂, são praticamente inúteis nesse tipo de ocorrência. Delatore destaca que, nesse cenário, só dois tipos de agentes extintores são realmente eficazes: o carbonato de potássio e a vermiculita — ambos já utilizados em estruturas que armazenam energia solar e eólica.
Esse tipo de combate ao fogo precisa ser altamente técnico, o que representa um enorme desafio em alto-mar, onde o acesso a esses recursos pode ser limitado.
Soluções já estão em desenvolvimento
A boa notícia é que a indústria está se movimentando para reduzir os riscos associados às baterias de lítio. Fabricantes como a CATL vêm desenvolvendo tecnologias mais seguras, que evitam a propagação de chamas mesmo em caso de falhas.
Um exemplo é a bateria Blade, da BYD, projetada com células mais largas e uma estrutura em formato de lâmina. Isso melhora o resfriamento e limita a geração de calor. Além disso, essas baterias não liberam oxigênio durante uma fuga térmica — o que reduz significativamente o risco de explosões secundárias, diferente das baterias NMC (níquel-manganês-cobalto), que liberam esse gás.